Este projeto dedica-se à preservação, investigação e disponibilização digital da coleção de capas dos livros publicados pela editora Afrodite, uma figura de resistência cultural e editorial em Portugal durante o Estado Novo (1933-1974). Pretende-se com este arquivo digital reunir, categorizar e apresentar toda a coleção das edições Afrodite, compilando dados dispersos por colecionadores privados e arquivos públicos. Este arquivo é um projeto contínuo, aberto a colaborações. Todos os interessados podem entrar em contacto através do formulário disponível, para fornecer imagens, digitalizações ou informações adicionais sobre os livros e capas da editora Afrodite, contribuindo para o contínuo enriquecimento deste acervo.




Fernando Ribeiro Bento de Mello (1941-1992) foi uma das figuras mais singulares e controversas do panorama editorial português da segunda metade do século XX. A sua biografia confunde-se com a história da Editora Afrodite, que fundou em 1965, no auge da repressão do Estado Novo. Foi amigo íntimo de figuras como Natália Correia, Mário Cesariny e Luiz Pacheco, figuras centrais da contracultura portuguesa. Mello não era apenas um editor, mas um provocador nato, que utilizava o livro como arma e o design como manifesto.


O seu estilo excêntrico valeu-lhe a alcunha de “Dalí de Lisboa” (Queirós, 2019), mas a sua importância reside na coragem de desafiar abertamente o regime de Salazar. A sua figura, um editor que era também um performer, encarnava a contracultura e a resistência intelectual, transformando a Afrodite num polo de atração para a vanguarda artística e literária portuguesa. O seu papel na disseminação de autores estrangeiros e nacionais, frequentemente em traduções de alta qualidade, foi crucial para a oxigenação do panorama cultural. A Afrodite, sob a sua direção, tornou-se o epicentro de uma “insólita ofensiva de corrupção”, segundo a expressão utilizada pelo censor Joaquim Palhares em 1966, que via na editora uma ameaça direta à moral e à ordem pública (Marques, 2015).


Do ponto de vista legal, Mello foi levado ao banco dos réus em diversas ocasiões. Dois casos emblemáticos ilustram a sua audácia: a publicação da Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica (organizada por Natália Correia) e A Filosofia na Alcova do Marquês de Sade. Ao publicar Sade, Mello não estava apenas a desafiar a moralidade; estava a importar para Portugal a mesma batalha pela liberdade de expressão que o editor francês Jean-Jacques Pauvert havia travado em França nos anos 50, com o seu processo judicial por publicar as obras completas de Sade (Marques, 2015). A sua defesa, a cargo de Manuel João Palma Carlos, terá mesmo usado o caso de Pauvert como modelo, demonstrando uma consciência internacional da luta pela liberdade editorial.


A sua mais famosa manobra de marketing ocorreu em 1971, na apresentação de quatro novos títulos publicados pela Afrodite, que incluiu uma conferência de imprensa dada por Mello dentro de uma banheira cheia de água pré-aquecida, rodeado de travestis e de figuras vestidas de diabo (Queirós, 2019). Durante a Feira do Livro de 1972, encenou uma “sessão de tortura da Inquisição” numa carrinha que percorria a Avenida da Liberdade, promovendo o controverso “Manual dos Inquisidores”. Este eventos, que chocaram a sociedade e a imprensa da época, demonstraram a forma como Fernando Ribeiro de Mello misturava cultura, provocação pop e resistência política.


A Afrodite foi fundada em 1965 e rapidamente se distinguiu pela qualidade gráfica e pela inovação estética das suas edições. O nome “Afrodite”, associado à deusa do amor e da beleza clássica, simbolizava uma aposta provocadora no campo da edição. Numa época em que o design editorial em Portugal era frequentemente conservador, Mello apostou na colaboração com jovens artistas e designers, como Eduardo Batarda, Martim Avilez e Henrique Manuel (Queirós, 2019).


A Afrodite especializou-se na publicação de obras que eram sistematicamente visadas pela Comissão de Censura. A estratégia de Mello era clara: publicar o que era proibido, utilizando a própria proibição como um motor de publicidade e de afirmação cultural. Os seus livros eram caros, destinados a um público que procurava ativamente a transgressão. O seu “longo cadastro de proibições” apenas atiçava o interesse pelas novas edições (Queirós, 2019).


O design das capas da Afrodite não era um mero revestimento, mas parte integrante da sua estratégia subversiva. As capas eram impactantes, muitas vezes surrealistas, eróticas ou politicamente carregadas, funcionando como um primeiro ato de desafio ao leitor e à autoridade. A colaboração com os jovens designers previamente mencionados não foi casual; Mello procurava ativamente a inovação gráfica que ecoasse a natureza transgressora do conteúdo. O uso de técnicas de colagem, ilustrações abstratas e a manipulação tipográfica criavam um visual distinto que se opunha ao conservadorismo gráfico dominante na época, transformando o livro num objeto de arte e de contestação.


Com a Revolução do 25 de Abril de 1974 e o fim da Censura, o contexto editorial português transformou-se radicalmente. A Afrodite perdeu o seu principal motor de vendas: o status de proibida. A liberdade recém-adquirida significou que a subversão e a provocação, antes exclusivas, se tornaram acessíveis a todos. O mercado editorial, liberto das amarras da censura, expandiu-se e diversificou-se, tornando a proposta da Afrodite menos singular. O “penoso ocaso no novo Portugal democrático” (Queirós, 2019) de Mello é um caso de estudo fascinante sobre a relação simbiótica entre a arte e a repressão: quando o contexto político que alimentava a sua resistência desapareceu, o seu modelo de negócio, que dependia da escassez, tornou-se insustentável, culminando na sua falência.Fernando Ribeiro Bento de Mello (1941-1992) foi uma das figuras mais singulares e controversas do panorama editorial português da segunda metade do século XX. A sua biografia confunde-se com a história da Editora Afrodite, que fundou em 1965, no auge da repressão do Estado Novo. Foi amigo íntimo de figuras como Natália Correia, Mário Cesariny e Luiz Pacheco, figuras centrais da contracultura portuguesa. Mello não era apenas um editor, mas um provocador nato, que utilizava o livro como arma e o design como manifesto.


O seu estilo excêntrico valeu-lhe a alcunha de “Dalí de Lisboa” (Queirós, 2019), mas a sua importância reside na coragem de desafiar abertamente o regime de Salazar. A sua figura, um editor que era também um performer, encarnava a contracultura e a resistência intelectual, transformando a Afrodite num polo de atração para a vanguarda artística e literária portuguesa. O seu papel na disseminação de autores estrangeiros e nacionais, frequentemente em traduções de alta qualidade, foi crucial para a oxigenação do panorama cultural. A Afrodite, sob a sua direção, tornou-se o epicentro de uma “insólita ofensiva de corrupção”, segundo a expressão utilizada pelo censor Joaquim Palhares em 1966, que via na editora uma ameaça direta à moral e à ordem pública (Marques, 2015).


Do ponto de vista legal, Mello foi levado ao banco dos réus em diversas ocasiões. Dois casos emblemáticos ilustram a sua audácia: a publicação da Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica (organizada por Natália Correia) e A Filosofia na Alcova do Marquês de Sade. Ao publicar Sade, Mello não estava apenas a desafiar a moralidade; estava a importar para Portugal a mesma batalha pela liberdade de expressão que o editor francês Jean-Jacques Pauvert havia travado em França nos anos 50, com o seu processo judicial por publicar as obras completas de Sade (Marques, 2015). A sua defesa, a cargo de Manuel João Palma Carlos, terá mesmo usado o caso de Pauvert como modelo, demonstrando uma consciência internacional da luta pela liberdade editorial.


A sua mais famosa manobra de marketing ocorreu em 1971, na apresentação de quatro novos títulos publicados pela Afrodite, que incluiu uma conferência de imprensa dada por Mello dentro de uma banheira cheia de água pré-aquecida, rodeado de travestis e de figuras vestidas de diabo (Queirós, 2019). Durante a Feira do Livro de 1972, encenou uma “sessão de tortura da Inquisição” numa carrinha que percorria a Avenida da Liberdade, promovendo o controverso “Manual dos Inquisidores”. Este eventos, que chocaram a sociedade e a imprensa da época, demonstraram a forma como Fernando Ribeiro de Mello misturava cultura, provocação pop e resistência política.


A Afrodite foi fundada em 1965 e rapidamente se distinguiu pela qualidade gráfica e pela inovação estética das suas edições. O nome “Afrodite”, associado à deusa do amor e da beleza clássica, simbolizava uma aposta provocadora no campo da edição. Numa época em que o design editorial em Portugal era frequentemente conservador, Mello apostou na colaboração com jovens artistas e designers, como Eduardo Batarda, Martim Avilez e Henrique Manuel (Queirós, 2019).


A Afrodite especializou-se na publicação de obras que eram sistematicamente visadas pela Comissão de Censura. A estratégia de Mello era clara: publicar o que era proibido, utilizando a própria proibição como um motor de publicidade e de afirmação cultural. Os seus livros eram caros, destinados a um público que procurava ativamente a transgressão. O seu “longo cadastro de proibições” apenas atiçava o interesse pelas novas edições (Queirós, 2019).


O design das capas da Afrodite não era um mero revestimento, mas parte integrante da sua estratégia subversiva. As capas eram impactantes, muitas vezes surrealistas, eróticas ou politicamente carregadas, funcionando como um primeiro ato de desafio ao leitor e à autoridade. A colaboração com os jovens designers previamente mencionados não foi casual; Mello procurava ativamente a inovação gráfica que ecoasse a natureza transgressora do conteúdo. O uso de técnicas de colagem, ilustrações abstratas e a manipulação tipográfica criavam um visual distinto que se opunha ao conservadorismo gráfico dominante na época, transformando o livro num objeto de arte e de contestação.


Com a Revolução do 25 de Abril de 1974 e o fim da Censura, o contexto editorial português transformou-se radicalmente. A Afrodite perdeu o seu principal motor de vendas: o status de proibida. A liberdade recém-adquirida significou que a subversão e a provocação, antes exclusivas, se tornaram acessíveis a todos. O mercado editorial, liberto das amarras da censura, expandiu-se e diversificou-se, tornando a proposta da Afrodite menos singular. O “penoso ocaso no novo Portugal democrático” (Queirós, 2019) de Mello é um caso de estudo fascinante sobre a relação simbiótica entre a arte e a repressão: quando o contexto político que alimentava a sua resistência desapareceu, o seu modelo de negócio, que dependia da escassez, tornou-se insustentável, culminando na sua falência.

referências bibliográficas


Bártolo, J., & Silva, J. (Eds.). (2024). Para Ser Eterno Basta Ser Um Livro – Editorial e Design do Livro em Portugal no Século XX. ESAD.


Marques, P. P. (2015). Editor Contra: Fernando Ribeiro de Mello e a Afrodite. Tinta-da-China.


Queirós, L. M. (2019, 5 de janeiro). Fernando Ribeiro de Mello: o gosto e a coragem de ser contra. Público.